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Cartazes soviéticos: da propaganda à decoração


O cartaz é um instrumento gráfico que pode ter caráter artístico e político. Na União Soviética, ele convergiu ambos os aspectos e se firmou como um dos formatos mais populares e bem-sucedidos de todos os tempos.

O uso dos cartazes pela humanidade é antigo. Porém, foi a partir da invenção da litografia, em 1824, que esse formato torna-se mais abrangente. Assim, na Europa do século XX, os pôsteres já eram veículos comerciais e culturais consolidados.

Logo após a Revolução Russa de Outubro de 1917, os cartazes foram usados como forma de propaganda revolucionária. Sua forma e conteúdo sofriam ainda muita influência de obras da França, cuja revolução em muito moldou as concepções russas. Assim, as representações eram em sua maioria alegóricas, com personificações, entre outras coisas, da Igualdade e da Liberdade, bem como repletas de símbolos que remetiam à Revolução Francesa.

Todavia, os russos vão aos poucos encontrando seu próprio caminho na produção de cartazes. Uma das primeiras inovações é relativa à complexidade da linguagem. O tipo francês recebeu críticas na sociedade revolucionária, por ser muito complexo e subjetivo e pouco compreensível para as grandes massas iletradas. Isso é consolidado por medidas votadas nos sovietes e, gradativamente, as representações mais concretas e mais próximas do público ganham forma: por exemplo, como percebe a historiadora do tema, Victoria Bonnell, o “Capital” deixa de ser uma serpente-monstro, para tornar-se um homem gordo de chapéu e charuto.


Progressivamente, as temáticas nos cartazes são diversificadas e um imenso número de problemas sociais, políticas governamentais e mesmo publicidade de produtos (ver figura 1) passam a ser abordados por esses meios. Nesse primeiro momento da revolução, o novo tomou forma. Museus foram abertos a toda a população; escolas de arte foram reformuladas, não requerendo mais exame prévio e tendo divisões inovadoras dos ateliês, como por formas ou técnicas; vanguardas artísticas tomaram a nova sociedade de assalto.

Outra inovação foi também a representação feminina nos cartazes soviéticos. Historicamente, o lugar da mulher na arte era o de objeto. Na arte soviética, porém, a mulher aparece não apenas como artista, mas também, em muitas obras, como personagem principal, plena, presente na ágora, e não apenas na domus (ver imagem 2).

Pouco a pouco, porém, o regime vai se fechando. Com o ascenso de Iosséf Stálin ao poder, em 1924, o controle sobre os meios artísticos se limita. Em 1931, a produção de cartazes fica sob a supervisão do Departamento de Arte do Estado, e em 1934, quando ocorre o 1º Congresso dos Escritores Soviéticos, que institucionaliza o realismo soviético – estilo artístico oficial, adotado como política do Estado para a estética. A partir de então, os artistas só poderiam produzir arte que contivesse esses quatro aspectos: o proletário, uma arte que fosse relevante para os trabalhadores e compreensível para eles; o típico, com cenas da vida cotidiana das pessoas; o realista, no sentido da representação; e o partisan, que significava apoiar os objetivos do Estado e do Partido. Em síntese, a partir dessa decisão, os artistas estavam no campo oposto ao da liberdade, tendo que tomar apenas a verdade do governo para sua arte.


A trágica quantidade de suicídios de artistas, que há no final da década de 1920 e início de 1930 – como o do chamado “poeta da revolução”, Vladímir Maiakóvski, é bastante representativa do problema. A partir da década de 1930, porém, a perseguição se acentua e uma série de artistas considerados não-revolucionários são presos e assassinados.

A partir de então, os cartazes soviéticos ficam cada vez mais simplificados, sempre devendo atender aos princípios do realismo socialista e do culto à personalidade de Stálin, até, pelo menos, sua morte, em 1953.

Hoje, os cartazes de propaganda soviéticos são considerados elementos vintage. Peças de colecionadores, bibelôs russos vendidos aos turistas ou quadros de decoração dispostos nas paredes em todo o mundo, tais meios de comunicação de massa ganharam nova função, após a queda da URSS: o design.


Sobre a autora. Thaiz Senna, Doutoranda em História pela UFF, estuda as representações femininas na URSS da Grande Guerra Pátria. No mestrado, pela UERJ, estudou o Jenotdel, o departamento feminino do Partido Comunista Soviético. É bolsista do Laboratório dos Estudos de Tradução (LABESTRAD), em projeto em que traduz e analisa documentos históricos soviéticos. Participou como tradutora em capítulos do livro A Revolução das Mulheres (Boitempo, 1917), bem como escritora na coletânea A Revolução Russa - 100 anos depois (Parsifal, 2017).



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